São 15:00h do dia 19 de Abril de 2013. A UTAO acaba de emitir o seu parecer sobre a execução orçamental do primeiro trimestre e o quadro é aterrador. O défice disparou de tal ordem que quase se aproxima do que estava previsto para o final do ano. E é quase certo que esta brutal derrapagem vai ter consequências em tudo o resto: o PIB já não cairá apenas 1%, mas talvez mais do dobro; a taxa de desemprego disparou para mais de 16%; e a CGTP, reunida de emergência, ameaça paralisar o país. O ar está irrespirável…
Situemo-nos no tempo. Logo que o OE-2013 foi aprovado, tendo como base o mais violento plano de austeridade que alguma vez se aplicara em Portugal, as pessoas assustaram-se e retraíram-se. O massacre desta vez era a sério. Mas, ainda assim, a verdadeira dimensão do drama só foi conhecida com o recibo de Janeiro: houve quem o olhasse a tremer, arregalasse os olhos e caísse inanimado no chão. Claro que esta poupança forçada, a juntar às anteriores, estoiraram com o pouco que ainda restava da economia.
Acresce que, como era previsível, algumas normas acabaram chumbadas pelo Tribunal Constitucional, merecendo particular destaque aquela que exige aos reformados e aos pensionistas o pagamento de uma “contribuição extraordinária de solidariedade” que não se aplica aos privados. Uma inconstitucionalidade evidente. Em consequência de tudo isto, houve lugar à reposição de salários e de subsídios, nem sempre acatada pelo Governo, o que levou a uma enxurrada de processos contra o Estado que entupiram os tribunais.
Valha a verdade que, no meio de tanta confusão, também emergiu a voz da serenidade e do bom senso. Refiro-me à querida ‘troika’, que não nos abandonou um segundo na sua nobre missão de nos guiar pelo caminho do bem. Porque não basta a austeridade; é necessário moldá-la: de um lado a receita – aumentam-se os impostos; do outro a despesa – cortam-se os salários, os subsídios e as pensões. Assim, com regras, estão a perceber? Um terço aqui, dois terços acolá… A ‘troika’, a lidar connosco, é de uma ternura comovente.
Mas voltemos ao parecer da UTAO sobre as contas públicas. Logo que os números foram conhecidos, dispararam para as rádios, as televisões e os jornais ‘online’, dominando os noticiários em todo o país. E começou a boataria. O Governo e os principais partidos vão ser chamados a Belém. Cavaco vai convocar o Conselho de Estado. Discutem-se modelos: governo de iniciativa presidencial? Convite ao PS para integrar o actual? Eleições antecipadas? A voz do humor: parece que não há dinheiro para emitir os boletins de voto…
Chove em Lisboa.
Estávamos em Abril de 2011. Sócrates capitulara, e com isso abriu caminho a eleições antecipadas que haveriam de levar ao poder o senhor dos Passos. A mensagem deste era clara: para vencer a crise, era preciso cortar nas “gorduras”, e ele tinha um plano prontinho para entrar em acção; logo que iniciasse funções, seria cortar, cortar, cortar… Mas o mundo dá muitas voltas e em breve o plano virou de pernas para o ar. As “gorduras” que ele escolheu para cortar eram salários, subsídios e pensões. Foram passos em falso.
Mas, para quem tanto prometera, o melhor ainda estava para vir. Se partirmos de 2010, a que atribuímos o índice 100, o PIB em 2012 terá caído para 88 e o investimento para 67, o que significa o colapso total da economia. Isto se as projecções estiveram certas. O mais provável é que não estejam, porque isso é coisa a que Passos nunca ligou. Sendo o investimento a mola real da economia, que faz crescer o produto e o emprego, é óbvio o desastre que aí vem e com o qual a ‘troika’ tanto nos elogia. São passos suicidas.
O impacto no desemprego foi imediato. Números do INE do último trimestre apontam para uma população de 10.598 milhares, dos quais 5.527 constituem a população activa. E, desta, 871 mil estão desempregados, o que dá uma taxa de desemprego de 15,8%. Mas Passos assobiou para o lado. E se a estes números juntarmos a parte não trabalhada do emprego a tempo parcial, mais os inactivos disponíveis que não procuram emprego, aquela taxa dispara para mais de 20%. E a dos jovens para quase o dobro. São passos arrepiantes.
Juntando os cacos, chegamos à dívida pública, que há-de ser o nosso coveiro. No final de 2010 era de €162 mil milhões, 94% do PIB. Mas a previsão para 2013 já vai nos 205%, mais do dobro do valor anterior! Ignoro se, ao olhar para tudo isto, Passos não sente uma espécie de bloco de gelo a percorrer-lhe a coluna de cima a baixo. O facto é que a dívida terá de ser reestruturada, em prazos e taxas de juro, por mais que ele esperneie a dizer que não. Desliguem. Outros terão de fazer o que ele não quer. Os seus passos falharam.
Descobriu-se entretanto que as famosas “gorduras” de que Passos falava visavam as funções sociais – Educação, Saúde e Segurança Social –, em que vai ser necessário cortar mais €4.000 milhões até 2014. Admito que não será este o momento de avaliar o impacto que estes novos cortes vão ter no dia-a-dia das pessoas. Mas, sabendo-se como já são as limitações actuais, tenho extrema dificuldade em avaliar como é que depois da passagem deste ‘tsunami’ os Portugueses vão viver em Portugal. À beira do abismo – um passo em frente?
Os passos de Passos são passos perdidos.
Ainda tenho na memória a figura hirta de Sócrates dirigindo-se ao país, com Teixeira dos Santos a tentar enfiar-se pelo chão abaixo. Estávamos em Abril de 2011 e o Governo capitulava, pedindo ajuda externa. Referindo-me ao ex-PM como um D. Quixote lutando contra moinhos de vento, escrevi na altura: “Caiu sem glória, às mãos dos banqueiros, depois de levar o sistema bancário à asfixia”. Seguiram-se eleições antecipadas que o PSD ganhou, e a que o CDS se juntou, formando um governo de coligação. Começava o martírio.
A primeira “grande medida” do novo governo PSD-CDS foi ir à banca retirar €6.000 milhões do fundo de pensões para abater ao défice orçamental. Nada que outros governos antes dele não tivessem feito, mas com uma nuance: logo a seguir lamentava-se, que chatice, agora tinha de pagar as pensões aos bancários… Chegados ao final de 2011, a dívida pública atingia 108% do PIB, bem acima do que herdara do PS. Mas o governo livrou-se de boa. Não fora o fundo de pensões e essa dívida teria subido 3,5 pontos mais.
Admito que esta seja uma análise injusta, porque se tratou de um ano atípico. De facto, o primeiro exercício completo só ocorreu em 2012, com o défice limitado a 5% do PIB. Mas o inevitável aconteceu. O Governo bem se esforçou, esperneou, gemeu. Nada! Aquele défice era impossível. Foi então que teve uma ideia: associar ao défice o resultado da privatização da ANA. E pronto, agora estamos nessa: o Eurostat tem dúvidas, o INE pondera, que se lixe a taça. Para já, a dívida estimada disparou para os 120% do PIB.
Com isto chegamos ao OE-2013, o tal da bomba atómica. Esqueçam os indicadores que lá estão, que não servem para nada, e ninguém acredita neles. O importante é o saque de que precisamos: €5.300 milhões. Foi isto que desencadeou o massacre mais violento de que há memória em Portugal. Eu sei que não se tem falado de outra coisa, mas a exacta dimensão do problema ainda não é conhecida. Deixo aqui uma sugestão ao leitor: relaxe e esteja atento à remuneração de Janeiro. Se, ao ver o que vê, não cair redondo – sorria!
Mas ainda não tínhamos absorvido estes números e já o Governo atacava outra vez. Precisava de mais €4.000 milhões até 2014! Aliás, uma parte deste valor deveria ser utilizada já em 2013. Bom, digamos que a solução mesmo ideal seria ter o plano estudado até Fevereiro, data em que vai ocorrer a sétima avaliação da ‘troika’, para criarmos boa impressão... Olho horrorizado para estes números, mastigo-os devagarinho, e sinto que a cabeça me anda à roda, incapaz de processar uma realidade que não entendo.
Que país é este?
Um dos maiores problemas com que hoje nos defrontamos é o da dívida pública, interna ou externa. No final de 2012 esta dívida deverá atingir €200.000 milhões, 120% do PIB, o dobro do valor máximo permitido. Mas, a par deste, há o problema da dívida externa, pública ou privada. Números do Banco de Portugal referentes a Junho último apontavam para um valor de €183.000 milhões, 110% do PIB. São duas dívidas paralelas, espécie de irmãs siamesas, que ameaçam estoirar connosco. Como é que se gerem estas situações?
A responsabilidade pela dívida pública cabe aos vários governos que, sobretudo em períodos eleitorais, gastaram o que tinham e o que não tinham como se não houvesse amanhã. Já no caso da dívida externa a responsabilidade é de todos. A partir do momento em que aderimos ao euro, habituámo-nos à ideia de que, se produzíssemos 100, poderíamos gastar 110: os 10 a mais correspondiam à diferença entre importações e exportações. Mas atenção! O euro não teve culpa: fomos nós que não soubemos lidar com ele.
Peguemos então na dívida pública. Com a dimensão que ela já atingiu, e com esta austeridade sem regras que todos os dias lhe acrescenta uns pozinhos mais, é óbvio que a dívida não tem solução. É impossível. Não consigo imaginar um único economista a defender a tese contrária. Logo, teremos de reestruturá-la, em prazos e taxas de juro, à luz de um modelo a definir e que seja minimamente exequível. Sucede que o actual Governo é teimoso para burros: não, não e não! Como é que se lida com uma estupidez assim?
A dívida externa é mais complexa, porque engloba toda a gente: o Estado, as famílias e as empresas. Já vimos como ela foi crescendo, porque gastávamos mais do que produzíamos. Agora precisamos de fazer o inverso e não sabemos como. Primeiro, porque os saldos externos continuam negativos, embora mais baixos. Depois, porque as nossas exportações são importações do outro lado, onde se vivem dramas semelhantes. E, por último, porque vivemos numa espécie de clausura onde o que conta é a austeridade e a recessão.
Resumidamente, foi assim. Foi este o nosso percurso até ao pântano em que nos encontramos hoje. E não é mais possível substituir dívidas por outras dívidas a que ainda acrescentamos os juros. Não tenho especial simpatia pelo actual Governo, imaturo e desleixado, que até hoje não cumpriu nada do que prometeu. Mas também não tenho ilusões. Os governos que lhe sucederem, quaisquer que eles sejam, vão ter de gerir uma situação de empobrecimento generalizado, de uma violência extrema, que vai prolongar-se por muitos anos.
Este modelo faliu.
As previsões de Outono estão feitas e disponibilizadas a todo o mundo pelos principais organismos internacionais: FMI, Eurostat e OCDE. E, à escala interna, juntou-se agora o Boletim Económico do Banco de Portugal. Se quisermos reflectir sobre o tema, poderemos queixar-nos de tudo menos de falta de informação. Mas é sobretudo a Europa que está sob a mira dos analistas. Daí que também tenha sido sobre ela que procurei reflectir, para o que seleccionei três áreas essenciais: o crescimento, o emprego e a dívida pública.
A economia, que registou o seu ponto mais baixo em 2009, tem tido uma evolução muito fraca e o PIB entrou mesmo em recessão já este ano, sem que se vislumbrem melhorias significativas no futuro imediato. Na sua origem está sobretudo a procura interna, em especial o investimento, se bem que a procura externa revele também sinais de desconforto. Como seria de esperar, a distribuição dos sacrifícios não é uniforme: a valores razoáveis na Alemanha e na Bélgica correspondem descalabros na Grécia e em Portugal.
A consequência imediata deste mau desempenho económico está no emprego, que entrou em regressão, elevando a taxa de desemprego para 12% da população activa, um valor sem paralelo noutras áreas como os EUA, a China ou o Japão. Numa Europa em que quase tudo corre mal, este é um indicador explosivo que vai perseguir-nos pela vida fora. E não me venham com histórias de embalar meninos. Esta austeridade “porque sim”, mera birra de economistas frustrados, é das coisas mais estúpidas que nos poderiam acontecer.
O corolário de tudo isto é uma dívida que, a não ser reestruturada, pode pôr em causa a sobrevivência do próprio euro. Ponto um: esta dívida não poderia exceder 60% do PIB, mas só 5 dos 17 países respeitam a regra. Ponto dois: a média da zona euro é de 92% do PIB, e à volta deste valor andam a Espanha, a França e a Alemanha. Ponto três: com dívidas superiores a 100% do PIB estão a Irlanda, a Itália, a Grécia e Portugal. Alguém me explica como é que uma austeridade sem regras vai gerir estas situações?
A este descalabro europeu as ‘troikas’ que nos governam contrapõem que vamos no caminho certo. Nem de propósito: um estudo recente da OCDE veio revelar-nos exactamente o contrário. Hoje em dia, para um PIB mundial igual a 100, os EUA valem 23, a zona euro 17 e a China também 17. E, feita uma projecção até 2030, para o mesmo PIB mundial de 100, a zona euro cai para 12, os EUA caem para 18 e a China sobe para 28. Ou seja: os chineses preparam-se para dominar o mundo e a Europa vai assobiando para o ar.
Que dizem a isto os alemães?
Já se sabia que a economia não era uma ciência exacta. Mas poucos imaginariam que ela fosse tão complexa. Desde o eclodir da actual crise que várias organizações, entre as quais o FMI e o seu economista-chefe, se interrogaram sobre a melhor forma de a ultrapassar. Como regra, tem-se recorrido aos planos de austeridade. E da regra nasceu a dúvida: se o défice orçamental (x) for alterado, qual é o impacto no PIB (y)? Dito de outro modo: qual é o multiplicador (k) que se aplica a “x” para atingir “y”?
O multiplicador fiscal é então o valor que reflecte a variação no PIB resultante da variação no défice orçamental. Por exemplo: se o multiplicador for de 1,5, por cada euro de cortes na despesa o produto cai 1,5; mas se o multiplicador for de 0,5, o mesmo corte na despesa leva a uma redução no produto de apenas 50 cêntimos. Logo, o impacto no PIB pode ser positivo ou negativo, consoante o multiplicador. E ele assume particular relevância em situações de crise grave, como a que actualmente se vive na Europa.
Estimativas levadas a cabo por muitos e qualificados economistas sobre a realidade de 2010 deram resultados para todos os gostos. Houve quem dissesse que a consolidação fiscal fazia aumentar o produto, um pouco na lógica da ‘troika’ que nos controla. Houve quem reagisse com indiferença, porque o multiplicador tenderia para 1. E houve uma equipa do FMI que aprofundou o tema até à exaustão e concluiu por um multiplicador de 0,5: por cada euro de corte no défice, o PIB caía 50 cêntimos. A situação não era grave.
Mas eis que, de repente, com o agudizar da crise, tudo se alterou. No seu último relatório trimestral, o FMI assumia sem reservas que, no actual quadro recessivo, o multiplicador fiscal se situa algures entre 0,9 a 1,7, em vez do 0,5 que calculara anteriormente. Dito de outro modo: os brutais planos de austeridade que estão em curso não melhoram, antes agravam o estado da economia. É verdade que na Europa se discorda desta leitura, a meu ver sem razão, mas disso falarei numa próxima oportunidade.
Falemos então de Portugal. Ninguém sabe como é que o Eurostat vai reagir à contabilização da concessão da ANA no OE-2012. E, sobre o tema, o Governo vai assobiando para o ar. Mas tudo leva a crer que, sem receitas extraordinárias, o défice se situe à volta dos 6,5% do PIB. Como o objectivo para 2013 é de 4,5%, a redução é de 2 pontos, logo, conduz a uma recessão situada entre 1,8% e 3,4% do PIB. Como é que o Governo orçamenta apenas 1%? A quem pretende ele enganar? Por que acha que todos os portugueses são estúpidos?
Lei de Murphy: se algo pode correr mal…
Voltemos ao OE-2013. Para atingir o défice de 4,5% do PIB que lhe foi imposto, o Governo lançou mão das armas de que dispunha: corte de €1.026 milhões nas despesas (salários e prestações sociais) e aumento de €4.312 milhões nas receitas (acréscimo generalizado dos impostos). Com estes €5.338 milhões, 3,2% do PIB, talvez a coisa passasse. Sucede que ainda o orçamento não estava aprovado e já ninguém acreditava nele. Parece que se “esqueceram” de que os ganhos no défice não compensavam as perdas na recessão.
Quando o Governo se apercebeu do desastre, entrou em pânico: como é que iria reagir a ‘troika’? E Passos Coelho teve uma ideia: “refundava-se” a estratégia, chamava-se à colação o PS e atacavam-se as famosas despesas estruturais. Tudo isto pela bagatela de €4.000 milhões, 2,5% do PIB, até 2014. Soube-se depois que isto não passava de uma rasteira: não só a decisão já estava tomada como o próprio FMI já trabalhava nela! E assim chegámos ao que se julgava impossível: a destruição do próprio Estado social.
Pressupondo que chegaríamos ao fim de 2013 na exacta situação que o Governo projectou, estaria consumado o crime perfeito: as receitas geradas, quaisquer que elas fossem, seriam canalizadas para a redução do défice; a economia portuguesa, em recessão profunda, teria como única função despedir pessoas; a legião de desempregados, sem salários nem subsídios, seria convidada a emigrar; e Passos Coelho, o Grande, receberia da ‘troika’ o diploma de “aprovado com distinção”. O Estado vampiro poderia começar a funcionar.
Sucede que não é crível que esta loucura se materialize. Primeiro, porque o PS não colabora: a rasteira ignóbil a António José Seguro não funcionou. Depois, porque a própria coligação que suporta o Governo dá indícios claros de que estará prestes a desmoronar-se. Acresce que a desorientação deste Governo é tamanha, são tamanhos os seus sinais tresloucados, que o próprio Presidente da República não poderá deixar de intervir. E uma intervenção deste lado só pode levar ao despedimento.
Já disse o que penso sobre o assunto. A actual dívida de 120% do PIB deveria ser dividida em duas partes iguais: uma parte ficaria retida para gerir normalmente; a outra seria amortizada a um prazo de 20 anos, com uma taxa de juro simbólica e o apoio do BCE. Mas confesso não ter ilusões: o mais provável é que a ‘troika’ rejeite. E, se tal acontecer, é preferível sair do euro e recorrer ao FMI. O corte nos salários seria brutal, mas sempre teríamos um mínimo de crescimento e de criação de emprego.
Seria a opção pelo mal menor.
O leitor já deve ter reparado. A ‘troika’, que de há muito nos controla e financia, é composta por elementos da Comissão Europeia (CE), do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas este trio não faz um conjunto homogéneo. Enquanto a CE e o BCE são fanáticos pela austeridade, o FMI vai deixando mensagens no sentido de que a austeridade já é excessiva. Com uma excepção: o membro do FMI que integra a ‘troika’ coloca-se ao lado dos europeus. Afinal, o que é que se passa?
O que se passa é que a Europa e o FMI fazem leituras diferentes do que deve ser um ataque à crise. Do lado da CE e do BCE, há uma postura obsessiva pelo controlo do défice orçamental, fazendo depender disso todos os apoios financeiros que nos concedem. E a cegueira é de tal ordem que nem sequer vêem o óbvio: o Governo promete tudo e não cumpre nada; o pouco que se ganha em défice perde-se em recessão; e a economia portuguesa, mais a sua legião de desempregados, vão a caminho do abismo.
Já o FMI, ao contrário, defende a tese do crescimento. E, para isso, considera que a melhor via é a do comércio externo, para o que devemos proceder a um corte brutal dos salários e com isso melhorar a competitividade. Sem o dizer expressamente, o que o FMI está a sugerir é que abandonemos o euro, para que o escudo seja depois objecto de uma profunda desvalorização. Mas há aqui um problema. Se desvalorizarmos, por hipótese, 50%, a dívida externa, que se mantém em euros, passa para o dobro: como é que se paga?
Como já se percebeu, da conjugação destes modelos resulta um beco sem saída. Precisamos de uma escapatória. Como a dívida pública anda pelos €200.000 milhões (120% do PIB), de todo ingerível, a solução passa por diferir o seu pagamento. O que eu proponho é amortizar metade, a um prazo de 20 anos – €5.000 milhões em média por ano –, com uma taxa de juro simbólica e o apoio do BCE. Mesmo não sendo fácil, esta solução permitiria um crescimento razoável, através do qual a própria dívida que resta se iria diluindo.
Adivinho o que estão a pensar: e se os credores recusarem? A resposta é simples: se recusarem, o problema não tem solução. Com a agravante de alguns destes credores serem bancos nacionais. Eu sei que os investidores têm direitos que devem ser respeitados. Mas insisto na minha tese: uma intransigência em receberem tudo pode levar esses investidores a não receberem nada. Não há ninguém no mundo que consiga extrair de um país aquilo que, objectivamente, esse país não lhe pode dar.
É agora ou nunca.
Números recentes do INE apontam para que o PIB nominal caia 2,7% em 2012. O PIB nominal reflecte uma dupla variação, em volume em preço, face ao ano anterior. Como o Governo assume que o PIB real vai cair 3%, a variável preço só pode subir 0,3%. Mas o deflator do produto tem como principal componente o consumo privado, por que se mede a inflação, que anda pelos 3%. Como é que se reduz este valor a um décimo? Creio que já todos perceberam: a aposta do Governo não é realista.
O défice de 2012 sem medidas extraordinárias seria de 6% do PIB. Mas o mau desempenho da economia e o acréscimo da dívida elevaram-no para 7,7%. Como o Governo se comprometeu a reduzi-lo para 4,5% em 2013, houve que financiar os 3,2% restantes. E assim nasceu o plano de austeridade mais violento de que há memória em Portugal: entre mais receitas (impostos) e menos despesas (despedimentos e cortes nos salários e nas prestações sociais) o Governo propõe-se usurpar-nos €5.338 milhões. Deve ter enlouquecido.
Sucede que esta loucura tem custos, que o Governo não deveria ignorar. E nem sequer vou recorrer aos famosos multiplicadores do FMI, onde os “sábios” se atropelam uns aos outros. Limito-me a olhar para os cortes brutais a que vai ser submetida a procura interna, entre consumo e investimento: com aquela machadada de €5.338 milhões, é óbvio que a economia vai bater no fundo. Ou seja, quando o Governo afirma que a recessão em 2013 será de apenas 1% do PIB só pode estar a brincar connosco. Mas não tem graça nenhuma.
Creio que salta aos olhos de toda a gente que este modelo não é sustentável. E a ruptura poderá acontecer a qualquer momento. Num plano meramente teórico, ainda poderíamos admitir que ele vigorasse até ao final de 2013. Mas, com esta brutalidade sempre acrescida, seria objectivamente impossível transpô-lo para os anos seguintes. E não falo da vontade de A ou B; falo de impossibilidade ‘tout court’. Enfim, não sei quando é que este Governo vai cair, mas tenho para mim que não chegará ao Verão.
Falemos então de saídas. A mais óbvia seria o Governo convocar uma reunião com a ‘troika’ e propor-lhe uma renegociação da dívida, hoje ingerível. Mas Passos Coelho é suficientemente teimoso para não o fazer. E a bola vai direitinha para Cavaco Silva, que só tem duas soluções: ou promove um Governo de iniciativa presidencial ou convoca novas eleições legislativas. Como ambas as soluções são más, teremos de escolher a menos má. Eu penso que a solução menos má é ir directo para eleições.
Este Governo é para esquecer.
Números recentes do INE, no âmbito do Procedimento dos Défices Excessivos, apontam para que o PIB nominal caia de €170.909M em 2011 para €166.341M em 2012 (-2,7%). E a inflação actual anda pelos 3%. Pressupondo que o deflator implícito no produto seja idêntico à inflação, e que esta se mantenha até final do ano, a queda do PIB em 2012 vai atingir os 5,5%. Consultei estatísticas até aos últimos 40 anos e não encontrei uma recessão assim.
Em 2013 o défice orçamental vai cair 0,5 pontos para 4,5% do PIB, coisa de somenos. Mas o Governo respondeu com o plano de austeridade mais violento de que tenho memória, como se não existisse amanhã. Quando, em 2014, tivermos de reduzir 2 pontos para 2,5% do PIB, quatro vezes mais, que resposta terá? Enfim, os disparates são tantos, e de tal ordem, que eu tenho para mim que o Governo enlouqueceu. E é óbvio que a recessão vai prosseguir.
Em Setembro de 2013 está previsto o regresso ao mercado primário para nos financiarmos. Estaremos então com uma dívida pública da ordem dos €200.000M. Mas, com a economia de pantanas, as populações revoltadas e as agências de ‘rating’ a classificarem-nos como “lixo”, alguém acredita num cenário destes? Alguns ingénuos ainda olharam para o BCE como uma saída possível no mercado secundário. Mas Mario Draghi foi claríssimo: ou reconquistamos o “acesso total” ao primário ou não há nada a fazer.
A gestão de uma dívida envolve dois pagamentos: o capital e os juros. Sobre o capital, estamos conversados. Mas vale a pena reflectir um pouco sobre os juros. Não conheço a estrutura da nossa dívida, e muito menos a taxa de juro implícita. Mas admitamos que é da ordem dos 5% ao ano: com uma dívida de €200.000M, os juros sobem para os €10.000M anuais. Ou seja, o endividamento é de tal ordem que não nos deixa espaço para excedentes orçamentais. Lamento dizê-lo, mas nem os juros vamos conseguir pagar.
Com isto chegamos ao actual modelo de gestão. Parece evidente que o modelo da ‘troika’ – massacrar primeiro para aliviar depois – é de uma estupidez sem limites. Mas também é verdade que o Governo achou óptimo, propondo-se mesmo ir além do que a própria ‘troika’ exigia. Nunca ocorreu a estas cabecinhas tontas o que, nesta fase, seria realmente prioritário: investir, empregar, crescer. O resultado está aí, nesta monstruosidade social. A imagem que me ocorre é a de um país destroçado gerido por um bando de loucos.
Por amor de Deus, parem!