O PEC 2010-13 é claro: no âmbito do processo de consolidação orçamental, o Governo tem prevista a alienação de várias participações do Estado, arrecadando com isso cerca de seis mil milhões de euros. E também já definiu o que admite privatizar este ano: a totalidade do BPN, até 7% da GALP e até 10% da EDP - qualquer coisa como 1.380 milhões de euros. Mas não nos iludamos com esta aparente normalidade. O tema será sempre polémico.
As receitas aqui previstas não passam pelo défice e vão directamente à amortização da dívida. Mas, ao reduzirem a dívida, reduzem os juros, donde o défice será indirectamente melhorado. E isto é bom ou mau? No plano estritamente financeiro, a resposta está no confronto entre duas parcelas: de um lado, aquilo que o Estado ganha, porque deixa de pagar juros; do outro, aquilo que o Estado perde, porque não há mais dividendos. E no plano político? Bom...
Para quem estudou análises de investimento, a avaliação de uma empresa é fácil de fazer: projectam-se os ‘cash-flows', calcula-se o valor residual e actualiza-se tudo à taxa considerada adequada para o mercado e o sector em causa. Isto no plano teórico. Na prática é tudo mais complexo, sobretudo tratando-se de um bem público. Para memória futura, deixo aqui um ‘feeling': no dia em que o Governo vender uma empresa, todas as oposições lhe caem em cima, acusando-o de que vendeu mal.
Com isto chegamos à luta partidária, que escapa ao senso comum. Em tese, uma empresa deveria ter sempre o mesmo valor, fosse pública ou privada - aquele que resultasse da hipotética riqueza a produzir. Mas os políticos sempre lhe introduzem nuances. Por exemplo: o PSD e o CDS defendem a gestão privada, porque gere melhor; o BE e o PCP falam do valor estratégico, a que só o Estado é sensível. Nunca conseguirão entender-se.
Confesso o meu distanciamento em relação a este assunto. Não contesto a alienação de património, em si uma operação banal, mas sim o facto de estarmos a iludir um problema sem de facto o resolver. Há aqui uma analogia entre governos despesistas que alienam as empresas e famílias desgovernadas que penhoram os anéis. O património só se vende uma vez; os défices tendem a prolongar-se indefinidamente.
Recado a todos: e se tomassem juízo?
CONTAS PÚBLICAS
Défices perigosos... (Saldo orçamental, % do PIB) |
...dívidas ingeríveis (Dívida pública, % do PIB) |
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A crise económica, e depois os estímulos orçamentais para a corrigir, arrastaram os países para défices perigosos, que é necessário controlar. Portugal chegou aos 9,4% do PIB, bem acima da média europeia, embora abaixo da Espanha. Os reflexos sobre as dívidas estão a ser brutais, e há mesmo quem receie que estas venham a tornar-se ingeríveis. A esta luz, compreende-se o recurso a privatizações.
Fontes: Governo, Eurostat.
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Daniel Amaral, Economista
d.amaral@netcabo.pt
Comentários
Eu tambem tenho dúvidas sobre as privatizações. Mas o problema é que a dívida pública pode atingir valores de não retorno. Mesmo com os "PECS" actuais prevê-se que ela possa ultrapassar os 90%. E depois com os juros actuais.... Em qq caso as oposições dirão sempre mal.
Caro Daniel,
A minha opinião é simples:
Se o Estado vender uma empresa lucrativa, é muito difícil opinar se foi bem ou mal vendida. É uma questão de estratégia e de saber se o dinheiro obtido com esses activos activos, serão melhor empregues do que a manutenção dos mesmos.
Mas se uma empresa do Estado dá permanentemente prejuízos, então não tenho dúvidas - VENDA-AS!
Nota:
A única excepção que faço é com as águas, que entendo ser um sector de extrema importancia, do qual acho pouco sensato o Estado desfazer-se dele.